segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Resenha de Filme: Documentário "Olhar Estrangeiro" Propõe Discussão Sobre a Identidade do Brasil.

O que é um clichê? Melhor, quem o cria: a pessoa que é o alvo dele, ou quem difunde? Tratando-se de um país, quem é o responsável, o próprio país, que oferece somente a visão clichê de si mesmo ou os outros países, que insistem em imagina-lo daquela maneira? A documentarista Lucia Murat propõe essa discussão em seu documentário de 2006, "Olhar Estrangeiro", em que coloca atores, diretores e produtores de cinema de todo o mundo para refletir sobre suas escolhas criativas ao retratar o Brasil. Os filmes aos quais "Olhar Estrangeiro" faz referência criam um Brasil do topless, de macacos como animais de estimação e muitas incongruências na representação de nossa cultura. Nesse contexto, Murat cria um jogo em que procura identificar os motivos que levaram os profissionais do cinema a construir esse Brasil clicheresco e fora da realidade enquanto intercala com depoimentos de populares, o público estrangeiro, e a visão que ele tem sobre nosso país. Nesse jogo, a diretora ora se coloca como documentarista, ora como brasileira ofendida e ao invés de encontrar respostas, propõe ainda mais perguntas. Somos nós os responsáveis por essa visão “samba, carnaval, futebol e mulher pelada” que impera no mundo? Ou a manutenção desses clichês diz mais sobre os estrangeiros do que sobre nós. Seria essa manutenção uma ignorância voluntária deles ou uma falta de vontade de mudar isso de nossa parte? E, mais importante, isso é bom ou ruim? Pode ser bom, se pensarmos que todos são vítimas dos clichês e que eles, de alguma forma, dão uma identificação singular aos países em um mundo globalizado e de fronteiras cada vez mais turvas. Por outro, é ruim, somos minimizados a meia dúzia de características que nem sempre condizem com a realidade. Além disso, a internet e a globalização crescente podem fazer com que esses clichês errados sejam desmistificados. "Olhar Estrangeiro" é portanto um bom exercício de autoanálise, para avaliarmos até que ponto contribuímos para essa visão equivocada ou se elas são pura e simplesmente fruto da ignorância estrangeira.

Resenha escrita por Rafael Tavares.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Resenha de Disco: A Suave Contemplação de "O Tempo Faz a Gente Ter Esses Encantos".

Não sei explicar bem os motivos, mas ao ouvir "O Tempo faz a Gente Ter Esses Encantos", disco de Alvinho Lancelotti que recentemente foi disponibilizado gratuitamente na internet, lembrei-me de Dorival Caymmi, de alguma forma as composições de Alvinho lembraram-me as suaves canções de Caymmi, com aquele clima de contemplação típico dos que não têm pressa. Aliás, não ter pressa é um requesito básico para poder apreciar o disco: ainda que curto, "O Tempo Faz a Gente Ter Esses Encantos" exige ouvidos atentos, dispostos a aproveitar o ócio criativo de se ouvir uma boa música, seja para relaxar, alimentar a alma ou ambos. Por esse motivo o título do disco é tão pertinente, só o tempo, nesse caso o tempo livre, distante das obrigações diárias e das regras de segunda a sexta, pode nos permitir a perfeita compreensão e absorção desse disco. Ou, nas palavras do próprio Lancelotti, só o tempo faz a gente ter esses encantos. E é nesse ponto que vejo Caymmi na obra de Lancelotti: naquele clima de fim de tarde sem fim olhando o pôr do sol ao som das ondas quebrando no mar. Como Caymmi, Alvinho Lancelotti soube parar o tempo para admirar o que muitas vezes passa por trivial: a chuva, os rituais religiosos, as festas são temas recorrentes nas músicas de Alvinho. Ouça "Sexta-feira", "Gira de Caboclo" e "São Tomé" e comprove. Com o currículo que tem (e com seu histórico familiar), era de se esperar de Alvinho Lancelotti um disco soberbo (e simples) como esse: filho de Ivor Lancelotti, compositor responsável por grandes músicas regravadas à exaustão, por nomes de peso como Clara Nunes, Roberto Carlos, Nana Caymmi, entre outros, e irmão de Domenico Lancelotti, que tem o nome na ficha técnica dos projetos mais legais feitos no Brasil hoje, como a Orquestra Imperial (e que participa em algumas faixas de "O Tempo"). Sem deixar de citar, é claro, que Alvinho Lancelotti é fundador do “Fino Coletivo”, grupo que deu um gás na música brasileira e que, ao lado de outros importantes nomes, são chamados de “Nova MPB”, devido a (já adquirida) relevância histórica de suas músicas para o cenário cultural nacional. "O Tempo faz a Gente Ter Esses Encantos" é um delicioso disco de MPB, regado a samba e tradições afro-brasileiras, perfeito para quem não se importa em perder uma tarde vendo a hora passar, ouvindo uma canção sobre o mar ou o pôr do sol. Trivialidades? Talvez, mas ainda assim encantadoras.

Resenha escrita por Rafael Tavares.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Resenha de Filme: Em "Anna Karenina", Joe Wright Mistura Cinema, Literatura e Teatro.

Foi Joe Wright o competente diretor encarregado de levar para as telonas "Anna Karenina", obra-prima de Tolstoi. A obra narra a vida amorosa conturbada de Anna Karenina (Keira Knightley), aristocrata do império russo, casada com Karenin (Jude Law), poderoso ministro com quem possui um filho. Ao visitar o irmão que cometeu adultério para tentar ajudar a salvar seu casamento, Anna conhece o Conde Vronsky (Aaron Johnson), por quem desde o início passa a sentir grande atração e logo tornam-se amantes. Completamente apaixonada, Anna abdica de seu casamento e posição social, enfrentando a aristocracia da época, extremamente conservadora, que a julgava impiedosamente. O grande triunfo do filme é o modo como a história é conduzida, apresentada como uma peça de teatro. Cenários são desmontados e construídos rapidamente por ajudantes de palco e ações do cotidiano são realizadas através de brilhantes coreografias. Por vezes, cenas e personagens são congelados para entendermos com clareza a importância dos acontecimentos, contando o filme com uma excelente equipe de montagem, direção e edição, além de surpreendente fotografia nas delicadas cenas externas. O elenco mostra grande entrosamento e a atuação de Jude Law é primorosa e Keira Knightley já é bastante conhecida por atuar em "filmes de época". O filme foi indicado ao Oscar 2013 nas categorias "Melhor Figurino", (que é um espetáculo à parte), "Melhor Fotografia", "Melhor Direção de Arte" e "Melhor Trilha Sonora Original". Misturando brilhantemente teatro, literatura e cinema, Joe Wright nos entrega uma grande obra.

Resenha escrita por André Ciribeli.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Resenha de Show: O "Menos é Mais" de Micróbio ao Vivo.

Adriana Calcanhotto, seja em aparições públicas ou em espetáculos, sempre foi contida. De sua vida privada, sabe-se pouco. Em um tempo de superexposições e megaproduções, isso é uma incongruência. Mas para a carreira de Adriana, faz todo sentido. O espetáculo "Micróbio Ao Vivo", que leva aos palcos as canções do seu excelente disco de samba, "Micróbio do Samba", é um exemplo desse menos é mais que pauta sua carreira. Não é a primeira vez que Calcanhotto apresenta um espetáculo diminuto em proporção, "Público", show transformado em disco no começo da década 00, era praticamente todo feito com voz e violão. Uma obra-prima. Em "Micróbio ao Vivo", show feito pelo selo "Multishow Ao Vivo" no Teatro Tom Jobim, no Rio de Janeiro, Adriana Calcanhotto se une a Davi Moraes, Domenico Lancellotti e Alberto Continentino para uma apresentação intimista do disco, sem grandes artifícios cênicos. É um encontro entre público, voz e música. Funciona e é suficiente. Os poucos elementos além-música que são incluídos na apresentação são apresentados de forma crua e simples. Um exemplo? Os confetes que caem sobre Adriana durante umadas músicas não vêm da coxia ou de algum equipamento no teto, uma pessoa entra com um saco e os joga sobre a cantora. E o efeito não poderia ser mais maravilhoso, a impressão é que estamos diante de uma estrutura translúcida, vendo sua composição, como aqueles telefones transparentes que foram moda décadas atrás. Outro acerto é ver como Adriana se desvencilha de seus clássicos sem sofrimento e sem fazer falta, mesmo que "Vambora" ainda toque em "Micróbio Ao Vivo", mas não como parte do repertório da apresentação. "Dos Prazeres, Das Canções", música de Péricles Cavalcanti e "Deixa, Gueixa" são destaques do show. "Te Convidei Pro Samba", na voz de Domênico Lancelotti, também é um exemplo de como o bom não precisa de muito. Nada contra grandes espetáculos e megaproduções, tenho vontade de ver a todos e, todos que vi, me agradaram. Porém, vez ou outra, é maravilhoso assistir a um show em que todos os espaços sejam preenchidos pela música e pela voz.

Resenha escrita por Rafael Tavares.