quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Resenha de Disco: No Excelente "Matéria Estelar", a Talentosa Rhaissa Bittar Dá Vida e Voz a Objetos Inanimados.


Alguns poucos anos atrás eu tive a oportunidade de conhecer, ouvir e escrever sobre "Voilá" disco de Rhaissa Bittar que sinalizava uma carreira promissora para a versátil cantora. Recentemente tive o prazer de ouvir "Matéria Estelar", segundo disco de Rhaissa que confirma todo seu talento e criatividade. O álbum é uma coleção de canções grandiosas que ganham forma na sua voz delicada e na sua interpretação teatral. O repertório é composto por apólogos, narrativas que personificam seres inanimados. Assim, somos presenteados com histórias inusitadas, cômicas ou melancólicas. Uma lista telefônica desempregada, uma pera que se apaixona por um caju, um leque que anseia pela aposentadoria, uma guarda-chuva que sonha em ser famoso, uma foto esquecida, palitos que não conseguem conviver dentro de uma caixa de fósforos e a adaga de Lady Macbeth são algumas histórias cantadas por Rhaissa. Tudo é um show de criatividade e autenticidade em "Matéria Estelar", que conta com a composição e produção de Daniel Galli. Há também uma variada mistura de ritmos, como samba, frevo, jazz e tango. É difícil destacar as melhores músicas, já que o disco é coeso, contando com uma impecável produção, mas posso citar "O Leque", "Artifício", "Palitoterapia" e a belíssima "Pérola do Brinco da Moça", na qual faz referência à obra do pintor holandês Johannes Vermeer. "Matéria Estelar" é disco sublime, que merece ser ouvido várias vezes, proporcionando ao ouvinte fortes doses de criatividade e talento.

Escrito por André Ciribeli.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Resenha de Disco: Janelle Monáe Tem Trabalho Regido Por Soul e Competência.


Quando lançou "The ArchAndroid", Janelle Monáe foi alçada a um patamar altíssimo, com um disco conceitual, onde mesclava novos ritmos ao antigo soul da Motown com uma bela pitada de psicodelia. Anos depois, mais precisamente em 2013, o aguardado sucessor chegou fazendo estardalhaço. "The Eletric Lady" não decepcionou. O disco abraça o soul mais forte, mais intensamente, onde músicas calmas e agitadas dividem espaço com interlúdios que simulam uma rádio, introduzindo o grande espetáculo que estamos prestes a ouvir. O álbum ainda cria metáforas presentes em um mundo hipotético, dominado por androides. Mesmo mantendo a cara, voz e assinatura de Janelle, há inúmeras participações especiais. Prince está presente em "Givin’ Em What They Love", Esperanza Spalding em "Dorothy Dandridge Eyes". Monáe divide os vocais com Erykah Badu em "Q.U.E.E.N.", um hino à liberdade e força feminina. Solange canta na faixa "Eletric Lady" e Miguel arrebata na balada "PrimeTime", que para mim é um dos destaques do disco, junto com "It's Code" e "We Were Rock n' Roll". Porém, as grandiosas participações não ofuscam a cantora, ao contrário, apenas acrescentam beleza a uma obra que já beira a perfeição. Tudo é cuidadosamente arquitetado e jamais soa artifical, com produção super competente. O talento de Janelle não passa despercebido, assim como seu repertório inspirado.

Escrito por André Ciribeli.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Resenha de Disco: Em "Oito", Marjorie Estiano Apresenta um Trabalho Multifacetado e Maduro.


Foi com muita curiosidade que ouvi "Oito", terceiro álbum de Marjorie Estiano. E foi com alegria que constatei que a atriz e cantora lançou um álbum maduro e consistente, que nem de longe lembra sua época em Malhação, da Rede Globo. O disco chega sete anos desde o seu último lançamento, "Flores, Amores e Blábláblá", apresentando 11 faixas, sendo 8 autorais. O trabalho flerta com diversos ritmos, como blues, jazz, MPB, reggae e forró, mostrando grande versatilidade, mas impedindo que possamos desfrutar mais de um som específico. Marjorie se entrega ao amor desesperado em faixas como "Por Inteiro", primeiro single do disco, "E Agora" e "Me Leva". Também aposta em um romantismo fofo em "Ele" e "Alegria Maior Não Tem", um forrozinho que nos convida a dançar. Canta em espanhol em "Donde Estás" e em inglês em "Driving Seat" e divide os vocais com Gilberto Gil em "Luz do Sol" e com Mart'nália em "A Não Ser o Perdão", além de apostar em uma versão do sucesso de Carmen Miranda, "Ta-Hi", de Joubert de Carvalho . Tanta diversidade não chega a comprometer a personalidade do álbum, mostrando uma Marjorie multifacetada, talentosa e que domina vários estilos. "Oito" consequiu colocar Marjorie dentro do universo da música adulta e apresentou uma compositora bem acima da média e uma cantora com inegável talento.

Escrito por André Ciribeli.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Resenha de Filme: "Mommy" é Mais Um Acerto de Xavier Dolan.

 

Considero Xavier Dolan um prodígio. Mesmo com sua pouca idade, seus filmes são muito acima da média. "Eu Matei Minha Mãe", "Amores Imaginários", "Laurence Anyways" e "Tom à la Ferme" figuram na minha lista de obras inesquecíveis, já que seu trabalho pode ser tudo, menos efêmero. Seu último trabalho, "Mommy", não foge à regra. O filme é pautado em seus personagens, com personalidades fortes e muito bem trabalhadas. Em um Canadá ficcional, a lei permite que pais internem facilmente seus filhos em instituições públicas, caso esses causem problemas. Steve (Antoine-Olivier Pilon), jovem hiperativo, é expulso de uma dessas instituições por provocar um incêndio, e assim, fica aos cuidados de sua mãe, Diane "Die" Després (Anne Dorval), tão desnorteada quanto o filho. A relação conturbada dos dois é marcada por altos e baixos. Ao mesmo tempo em que sentem carinho um pelo outro, o humor inconstante de Steve causa grandes problemas, tornando-o até violento. Um certo equilíbrio é encontrado com a ajuda da vizinha Kyla (Suzanne Clément), que dedica um tempo enorme de seus dias para ajudar os dois e claramente possui problemas emocionais, aparentes em sua dificuldade em articular as palavras. Dolan foi responsável pela direção, roteiro, produção, edição e figurino de "Mommy", e consegue realizar seu trabalho mais maduro e consistente. O filme foi merecidamente ganhador do Prêmio do Júri em Cannes e conta, além de uma enorme criatividade visual e uma trilha sonora certeira, com excelentes interpretações que desabrocham no momento certo. Impactante, mas belíssimo, "Mommy" merece todos os elogios possíveis.

Escrito por André Ciribeli.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Resenha de Filme: Mesmo Depois de Décadas, "As Vinhas da Ira" Ainda Permanece Atual.


Alguns filmes lançados décadas atrás podem, nos dias de hoje, soar bastante atuais. Esse é o caso de As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, 1940). Dirigido por Jonh Ford e baseado no livro homônimo de John Steinbeck, narra a história de uma família de pequenos agricultores, arrendatários expulsos de suas terras em Oklahoma durante a depressão, que atravessam o país rumo à Califórnia, em busca de melhores condições de vida. Além de uma viagem difícil, acabam descobrindo que o tão sonhado trabalho era mais utópico do que real. Mais detalhadamente, o filme começa com Tom Joad (o grande Henry Fonda), que após quatro ano preso por homicídio, retorna à casa dos pais e descobre que eles, além de perderem a terra, estão prestes a se mudarem para a Califórnia. Assim, toda a família parte em um caminhãozinho velho levando o pouco que possuem. Pessoas honestas em busca de melhores condições de vida é uma realidade que atravessa décadas e décadas. São trabalhadores que buscam o seu sustento e acabam oferecendo sua força de trabalho a troco de pouco ou quase nada. Muitos enriquecem durante os períodos de crise, e é evidenciado durante todo o filme a exploração da mão de obra barata. Realizado em sete semanas, o filme possui um roteiro impecavelmente adaptado e os acontecimentos são vividos com grande intensidade, mérito de um elenco que reúne, além de Henry Fonda, Jane Darwell, Jonh Carradine e Charley Grapewin. As frases finais de Tom Joad se tornaram antológicas. Concorrendo ao Oscar em 1941, venceu nas categorias de Melhor Diretor (John Ford) e Melhor Atriz Coadjuvante (Jane Darwell) e concorreu a Melhor Ator (Henry Fonda), Melhor Montagem, Melhor Filme, Melhor Som e Melhor Roteiro. Com um belo e perfeito retrato dos Estados Unidos na primeira metade do século passado, As Vinhas da Ira é um clássico, uma obra que merece ser vista númeras vezes. É um exemplo de que um filme não envelhece, ao contrário, alguns conseguem se manter sempre atuais. 

Escrito por André Ciribeli.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Resenha de Disco: Pitanga em Pé de Amora Cresce em Belíssimo Trabalho.


Pitanga em Pé de Amora é, ao meu ver, uma das melhores bandas que incorpora a chamada Nova MPB. Seu último trabalho, lançado recentemente, "Pontes Para Si", produzido por Swami Jr., mostra um considerável crescimento musical, ou seja, o que era bom ficou ainda melhor. O coletivo formado por Angelo Ursini (saxofone, clarinete e flauta), Daniel Altman (violão 7 cordas), Diego Casas (violão), Flora Poppovic (percussão) e Gabriel Setubal (trompete e guitarra) apresenta um trabalho mais consistente, poético e mistura xote, samba, baião, jazz e até marchinhas, com coros e cordas sendo muito bem explorados. Os arranjos das músicas são extremamente delicados e faz com que a banda crie uma identidade própria dentro do cenário musical. Se no primeiro disco, que leva o nome da banda, predominava as canções de amor, leves e ingênuas, "Pontes Para Si" abraça tons mais urbanos e letras mais incorpadas, como em "Insônia", belíssima música presente no disco, que conta ao todo com 14 faixas. A grande Mônica Salmaso divide os vocais com Flora Poppovic na excelente "Ceará". Os integrantes se dividem em duetos, coros e interpretações individuais em músicas que são verdadeiros presentes aos ouvidos, como "O Pescador", "Alma de Poeta" e "Razão de Ser". Lançado de forma independente, "Pontes Para Si" conta com dowload gratuito no site da banda (clique aqui). O disco é fantástico e merece uma audição atenta. Pitanga em Pé de Amora cresce e tem seu talento mais que comprovado nesse belíssimo  trabalho.

Escrito por André Ciribeli.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Resenha de Filme: Relatos Selvagens Apresenta Humor e Raiva Em Episódios Impecáveis.


O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2015 foi pra Polônia, com "Ida", mas eu apostava em "Leviatã", da Rússia. Outro que não levou a estatueta foi o excelente "Relatos Selvagens", da Argentina, país que está cada vez mais apresentando filmes de alta qualidade. O filme, dirigido por Damián Szifron, apresenta 6 histórias diferentes que mesclam drama, vingança, violência e comédia. Porém, o humor é refinado e inteligente, ao contrário (infelizmente) das comédias brasileiras de humor rasteiro que, atualmente, ainda conseguem levar um público significativo ao cinema. O primeiro episódio é o mais curto de todos e se passa dentro de um avião. Não dá para falar muito, pois corre-se o risco de estragar o final. O próximo se passa dentro de uma lanchonete de beira de estrada, onde uma garçonete tem a chance de se vingar do homem que acabou com sua família e, para isso, conta com a "pequena" ajuda da cozinheira do estabelecimento. Temos ainda um episódio que mostra um desentendimento em uma estrada chegar a consequências inesperadas, sendo talvez, o mais violento, e um onde o pai rico tenta livrar o filho de ser preso após o mesmo atropelar uma mulher grávida. O astro Ricardo Darín protagoniza a história de um cidadão comum que tem seu carro rebocado, o que lhe causa vários transtornos e o  leva a um grande ato de violência. Relatos Selvagens tem como mérito apresentar várias histórias igualmente interessantes, o que é incomum em filmes desse tipo, que geralmente apresenta alguns momentos mais fracos. O filme se mantém coeso durante todo o tempo e deixa por último um episódio que se passa em um casamento, onde uma noiva enfurecida (belíssima atuação de Erica Rivas) resolve se vingar do esposo infiel, sendo o mais marcante de todos. A personagem de Erica Rivas poderia facilmente sair de um dos filmes de Pedro Almodóvar que, aliás, é creditado como um dos produtores do filme, que conta ainda com a atuação de Dario Grandinetti, Diego Gentille e Oscar Martínez. O filme pode não ter levado o Oscar, mas teve reconhecida a sua grandiosidade.

Escrito por André Ciribeli.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Resenha de Filme: Leviatã, de Andrey Zvyagintsev, Tem a Corrupção Como Um Monstro a Ser Enfrentado.


Foram grandes as expectativas em cima de "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", longa do diretor Daniel Ribeiro, para o Oscar 2015 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Infelizmente, não foi dessa vez. Embora o filme contasse com excelentes interpretações e um roteiro consistente, ficou de fora da lista dos selecionados. Volto ao Esfinge Cultural para falar um pouco sobre um dos indicados, "Leviatã", representante da Rússia, dirigido por Andrey Zvyagintsev, ganhador do prêmio de melhor roteiro do Festival de Cannes de 2014 e o grande favorito para a categoria do Oscar. O roteiro, aliás, foi assinado pelo próprio Zvyagintsev. O filme conta a história da briga na justiça (e fora dela), de Kolya (Serebryakov) com o prefeito corrupto Vadim (Madyanov), que deseja suas terras e, para isso, chega a fazer uso de meios nada pacíficos. Para preservar suas terras, Kolya conta com a ajuda do advogado e seu velho amigo Dmitri (Vladimir Vdovitchenkov). O filme consegue abordar uma série de assuntos polêmicos, como corrupção, adultério, decadência familiar e injustiças sociais, tendo a Rússia de Vladimir Putin como cenário para narrar essa sátira política. No longa, o poder é maior que a justiça, apresentando um clima constante de tristeza, mentiras que são transformadas em verdades e decisões jurídicas que são lidas rapidamente, mostrando o quão viciadas estão. Se no início a resignação não faz parte dos adversários do prefeito Vadim, ao longo do filme acabam se entregando ao desespero frente ao "monstro" que enfrentam. Conta ainda com personagens interessantes, que são muito bem construídos e ajudam a dar equilíbrio à história. Ao mostrar um esqueleto de baleia que se encontra na propriedade de Kolya, Zvyagintsev mostra que os monstros antigos já se foram, e o Leviatã a ser enfrentado agora já é outro. Com isso, uma passagem citada durante o filme, é bem pertinente: "Você consegue pescar com anzol o Leviatã ou prender sua língua com uma corda?" Esperar vencê-lo é ilusão, apenas vê-lo já é assustador. Vale lembrar que Leviatã já ganhou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Globo de Ouro e é aposta (quase) certeira para o Oscar, na mesma categoria.

Escrito por André Ciribeli.